terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

4 anos de intervenção de rua

O que eu aprendi:

  1. Carrochos, prostitutas ou marginais são rótulos sociais. As pessoas não são isso nem só isso. 
  2. As trabalhadoras do sexo não querem que a prostituição seja legalizada
  3. As trabalhadoras de sexo (não consumidoras) começaram a sua actividade quando ainda eram menores, entre 13 a 17 anos. (na sua maioria)
  4. É muito mais dificil ajudar alguém a deixar a prostituição do que a deixar a heróina
  5. Na rua, a prostituição chega a render €500 por dia.
  6. Não há ser humano mais aniquilado na sua auto-estima e amor próprio do que uma prostituta.
  7. Uma quarta de castanha (heróina) ou branca (cocaína) é 10€ cada. Logo, a mista é €20. 
  8. Os consumidores de heróina e cocaína são os maiores artistas do mundo. Iludem, mentem, confundem e nunca te apercebes.
  9. Um consumidor de heroina e cocaina, sabe que tem uma dependência.
  10. A compulsão de consumir, craving, não é uma opção é uma obrigação. Não é uma escolha, é um fardo.
  11. É possivel deixar o consumo de drogas e ser completamente abstinente.
  12. O consumidor de cannabis e alcool (em abuso) raramente conclui que tem uma dependência.
  13. Não há separação entre drogas leves e pesadas
  14. Não há diferenciação social, racial ou intelectual na rua.
  15. A única ressaca que mata é a do alcóol
  16. A despenalização do uso das drogas é uma boa lei que já é exemplo em todo o mundo
  17. Ninguém pode ser convencido a deixar a prostituição, o crime ou o consumo. Tem que ser o próprio a convencer-se.
  18. Lidar com pessoal de rua é muito mais fácil do que se pensa.
  19. Trabalhar na rua é fascinante, emotivo e tem um prazo.


    quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

    Os amigos atrás das portas

    Tenho por mim que existem pessoas que se cruzam no meu caminho num determinado tempo. Durante esse tempo estas pessoas são importantes e fazem parte do meu quotidiano. Com elas vivo histórias intensas e partilho momentos irrepetíveis. Considero que estas pessoas foram minhas amigas naquela altura e eu fui amiga delas. Considero-me privilegiadas por as ter conhecido e não me arrependo de tudo o que passamos juntos.
    Depois fecho a porta dessas amizades. Ou por acontecimentos, ou para as proteger ou para me proteger. Elas pensam que eu construi uma parede entre elas e eu e que guardei mágoa de algo. A verdade é que apenas fechei uma porta que estará sempre destrancada mas que nunca será aberta por mim.
    Dessas pessoas guardo apenas o bom. As boas memórias, a aprendizagem e as intermináveis conversas.
    Há em mim um profundo sentimento de gratidão e de reconhecimento porque sei o quanto estas amizades foram cruciais num determinado momento da minha vida. Mas isso, elas nunca o saberão.



    quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

    o meu 2011

    Ignorando os eventos noticiados este ano. Resumo 2011 a esta palavra:


    CASAMENTO


    segunda-feira, 14 de novembro de 2011

    dia feliz

    No dia 1 de Fev de 2009 conheci a minha 1ª utente. Era um dia frio, e foi com um café na mão, meia hora de conversa que tive as primeiras noções realísticas das palavras prostituição e toxicodependência.

    Hoje, dia 14 de Novembro de 2011 voltei a estar com a minha 1ª utente. Não sabia dela há algum tempo. Nas nossas últimas conversas ela estava no programa de metadona, lutava pelos filhos e tinha decidido deixar a prostituição porque se tinha apaixonado. Hoje, veio visitar-me. Mais cheinha e com um grande sorriso mostro-me a fotografia da sua bébé, nascida este ano, fruto da sua relação estável com o tal homem por quem se tinha apaixonado. Soube que deixara a metadona e o tabaco. A prostituição também há muito que deixara de ser opção. Agora com os olhos a brilhar falou-me dos seus planos e do futuro.

    Há dias felizes. Este é um deles.

    terça-feira, 8 de novembro de 2011

    A maldade

    O que fazer com a maldade alheia?
    Considerá-la maldade é já por si controvérsio e subjectivo. Ela é subtil, mascarada, capaz de ser aplaudida no auge da sua acção e nunca ser descoberta.
    Se formos atingidos por ela, como actuar? Identificamos? Comentamos? Tentatamos abatê-la? Convencemos os outros que ela "é" a maldade?
    O sentimento de justiça própria é deverás latente numa pessoa atingida. É preciso:
    Acalmar. Verificar as hipóteses e perceber os efeitos da maldade.
    Confiar, confiar que o amor é maior do que "ela" e que só "ele" a pode destruir. Perceber que eu, nós, o individuo somos falíveis e sem imparcialidade para a julgar.
    Calar. Saber não alimentar o mal que "ela" produz. Perceber quem foi afectado e cuidar das outras feridas sem pensar nas nossas.
    Perdoar. Para que os seus efeitos não sejam eficientes, para que ela não ganhe, para que nós vivamos.
    Esperar. Aguardar o dia em que "ela" seja exposta, não pela força mas porque "ela" já não têm força.


    Pensamentos cruzados num mundo individualista e pós-modernista.


    quarta-feira, 15 de junho de 2011

    Behind bars

    Hoje é sexta-feira. Temperatura amena desloco-me para o meu local de trabalho.
    Hoje é dia de reunião, discutem-se casos, vidas, respostas, alternativas. Opina-se, discorda-se, concorda-se.
    Antes do almoço uma rápida deslocação ao bairro mas problemático da zona para trocar umas seringas e servir uns cafés.
    Almoço.
    Hoje é dia de visitas. É a minha vez de ir visitar aqueles que eu conheci livres mas que agora estão na prisão. Caxias, Sintra, Tires, não interessa o local.
    Digo o meu nome, deixo o meu B.I. e malas no cacifo. Passo pelo detector de metal (duas vezes). Percorro o recinto até a ala onde sou esperada. Ouvem-se números no altifalante "Número 85 e número 102 venham até ao refeitório". A espera é curta. Abraços, risos, por vezes lágrimas e muita conversa de como estão a correr as coisas lá dentro e lá fora. Tenta-se falar no futuro mas é dificil.
    Parece que estamos no café como antigamente e perde-se a noção do tempo. Mas o tempo passa e é hora de partir.
    Despedidas e "até à próxima visita".
    Eu saio mas eles ficam.
    Hoje é sexta-feira.



    terça-feira, 1 de março de 2011

    Nasci em 1985

    A minha primeira memória televisiva está directamente relacionada com o mundo imaginário dos desenhos animados. Naquela altura era um must ver o Oliver e Benji correrem atrás daquela bola que no último segundo do jogo entrava na baliza.
    Mas devo confessar que a abertura dos Jogos Olímpicos de Barcelona em 1992 foi inesquecível! Aquele arqueiro que "acertou" na mega tocha olímpica foi memorável. Foi também nesse dia que conheci a palavra SIDA e ouvi falar num homem chamado Freddy Mercury.
    Eram horas a ver TV. Crescemos com a Rua Sésamo antes de existir os canais privados. Naquela altura o Herman tinha piada e não perdíamos o Duarte e Cia. A TVI era Católica mas foi graças a ela que tinhamos as Marés Vivas à hora do telejornal.

    Quem nasceu em 1985 teve o seu 1º computador provavelmente no 8º ou 9º ano e o seu 1º telemóvel na mesma altura. Fomos os primeiros a abrir contas no hotmail e a usar o mirc para o chat. Todos eramos viciados no jogo da serpente do tlm da Nokia (ainda a preto e branco).
    Quando queríamos ir ao cinema combinávamos à porta da paragem e iamos directamente para as Amoreiras. Naquela altura todos tínhamos os telefones fixos dos nossos amigos gravados no nosso mega dossier de apontamentos. Assitimos à inauguração do Colombo e todos fomos à Expo'98.

    A moda era frágil. Jimmy dolls e Levi's faziam furor. Não havia Bershka, Salsa, Desigual ou Primark's. Contavamos os trocos para o bolicau e coleccionávamos cromos de tudo.

    A medida que evoluíamos, entendíamos que havia um mundo lá fora. Por isso, depois das aulas íamos todos à casa daquele colega que tinha TV Cabo para ver os videos da MTV, Viva e SOL música. Eram horas a ver TLC, Backstreet Boys, Spice Girl, Alanis Morissette, No Doubt, Kelly Family, Celine Dion, Guano Apes, Silence 4 e tantos outros. Todos tinhamos um walkman e alguns até discman!

    A aulas eram de 45min. Não existia estudo acompanhado ou formação cívica. Faltávamos sempre que queríamos para ficar no páteo a conversar ou jogar à bola. Quando recebíamos uma falta disciplinar era o caos lá em casa!

    Quando chegamos ao mundo universitário escolhemos o que queríamos. Todos nos tinham dito para seguir o coração e não o dinheiro. Fomos a última geração da licenciatura dos 4 anos e do pré-Bolonha.

    Nasci em 1985 e fico feliz por isso.


    sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

    Cicatriz

    Quando tinha 10 anos fiz uma cicatriz.

    Estava no inicio do 5º ano. Nova escola, muitas disciplinas e professores e novos colegas. O entusiasmo era grande. A vontade de aprender, fazer amigos, mostrar quem eu era e partir à descoberta eram sobreabundantes.
    Estava sentada na ultima carteira da fila do meio da aula de história quando o acidente aconteceu. Antes da aula tinha comprado o material necessário para o ano lectivo e, em vez de prestar atenção à aula comecei a brincar com o x-acto comprado para as aulas de EVT. O x-acto fugiu-me e cortei a palma da mão. Não gritei, não chorei e não disse nada a ninguém. Sai da aula com a mão a pressionar a ferida e corri para a casa-de-banho. Uma funcionária viu-me e correu atrás de mim (nessa altura o sangue já sujava o chão do corredor) enquanto que eu punha a ferida debaixo da torneira do lavatório na esperança de limpar o sangue. O sangue não parou e a funiconária chamou outros funcionários. Administrativos e professores olhavam para a minha ferida e decidiram estagnar o sangue com algodão e uma ligadura. Ligaram para a minha mãe e fui de taxi para o Hospital D. Estefãnia.
    No Hopital fui atendida por enfermeiras experientes que ao verem o algodão na ferida ficaram apreensivas. As fibras de algodão tinham colado na minha ferida aberta.Teriam que removê-las com uma pinça antes de fazerem a anestesia local. Doeu muito mas eu não chorei. Levei 8 pontos.
    A ferida levou o seu tempo a curar. Houve infecções por causa da minhas distracções a brincar no recreio. Alguns pontos não fecharam bem e tive que esperar mais do que o necessário para tirá-los. Quando os tirei fiquei aliviada, tinham-se acabado as ligaduras e as dores da mão. Estava muito feliz.
    De vez em quando relembro desse dia quando sinto comichão na cicatriz. Já não tenho dor mas a cicatriz ficou na palma da mão.
    Durante algum tempo não usei x-actos. Tinha medo e não eram um instrumento essencial na minha vida.
    Hoje em dia se for necessário uso um x-acto mas tenho sempre cuidado para não me cortar.

    O que conclui:
    • Muitas feridas que nos foram incutidas partiram muitas de vez da nossa acção e decisão (usar o x-acto).
    • Quando a ferida acontece, muitas vezes ninguém se apercebe.
    • A resposta ao problema imediato é muitas vezes errónea, em vez de resolver estancamos o sangue para que não se veja (algodão na ferida)
    • A má resposta pode provocar mais dor que a ferida (tirar as fibras do algodão com uma pinça na ferida aberta)
    • O processo de cura pode demorar e ter contratempos (dores, infecções etc)
    • O x-acto nunca tem culpa e todos esquecem que foi "ele" que provocou a ferida.
    • Eventualmente a ferida fecha, mas de tempos em tempos a cicatriz recorda-nos o que aconteceu.



    Se leste até ao final: Parabéns! =P